top of page

DIFERENÇA ENTRE UNIÃO ESTÁVEL E NAMORO


Trecho de um artigo escrito pela nossa advogada especialista em direito de família, Francelle Barcelos e publicado em um seminário da Universidade de São Paulo (USP).


O conceito de união estável raso e digno de muitas interpretações está presente em nossa legislação, tanto na Constituição Federal em seu artigo 226 §3º, quanto no Código Civil em seu artigo 1.723, apresentando em síntese que a união estável é uma entidade familiar reconhecida, entre homem e mulher, com convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. (BRASIL, 1988; BRASIL, 2002).


Várias são as interpretações possíveis a se extrair do texto legal acima, tanto que, de forma maestral, o STF já modificou o entendimento contido no que tange a expressão “entre homem e mulher” para a compreensão no sentido de duas pessoas, por meio do julgamento da ADI n° 4.277 e da ADPF n° 132, possibilitando assim o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo. (STF, ADI 4277/DF, Tribunal Pleno, Min. Rel. AYRES BRITTO, jul. em 05.05.2011; STF, ADPF 132/RJ, Tribunal Pleno, Min. Rel. AYRES BRITTO, jul. em 05.05.2011).


Já em relação aos termos “contínuo”, “publico” e “duradouro”, há de se ter em mente que, no mundo atual, a publicidade das relações, mesmo que de um namoro ou paquera, são praticamente impositivas, graças à internet. Além disso, a ideia de continuidade e duração de um relacionamento, também em consequência a velocidade do mundo globalizado, em que tudo se modifica em questão de segundos, possui sentido e peso vago, tanto é assim que não há previsão de tempo mínimo para se considerar uma relação tida como duradoura, ou um prazo mínimo para se configurar a própria união estável.


A doutrina, por sua vez, trouxe definições ao conceito de união estável, tornando o instituto um pouco mais claro e com delimitações razoavelmente mais palpáveis, a serem interpretadas a cada caso concreto. Para Gagliano e Pamplona Filho (2012), a definição da união estável estabelecida doutrinariamente acompanha o fluxo das transformações culturais e sociais da sociedade. De acordo com Maria Berenice Dias (2010) a união estável é a relação entre homem e mulher que demonstrem a vontade de conviver, que possuem caráter notório e estável, com o intuito de constituir família, não havendo prazo mínimo.


É ainda válido trazer as considerações da professora Patrícia Fontanella, uma vez que, como já sustentado, é de se concluir facilmente que “o legislador optou por evitar rigorismos conceituais, pois ao abster-se de conceituar rigidamente a união estável, deixou para o juiz – diante de cada caso concreto – a tarefa de analisá-la e reconhecê-la ou não”. (2006, p. 23).


Pois bem, diante dessa abertura interpretativa, o legislador cuidou de deixar elementos fundantes para a união estável, elementos tidos como essenciais, que são: duas pessoas, estabilidade, publicidade, continuidade, ausência de impedimentos e animus de constituir família.


Ocorre que, mesmo perante a presença de vários desses requisitos, o animus de constituir família se impõe como determinador da equação, e seu conceito, de difícil constatação por ser algo muito subjetivo, interno do casal. Posto essa exigência, que, inclusive, difere a relação e estabelece um marco para a existência da união estável, é que se busca indícios desse requisito, dessa vontade de constituição familiar.


Involuntariamente, a primeira coisa que se pensa é na coabitação, morar de baixo do mesmo teto. Contudo, o STF, através da Súmula 382 (1964), já deixou claro que isso não é algo necessário para configuração. Mas se por acaso morem? Não é um forte indício? Certamente que sim. Afinal, um casal dividir o mesmo comprovante de residência, optar por uma vida em conjunto no mesmo lar, pode ser visto como uma intenção de constituição de família.


Percebe-se válido, então, com o intuito de distinção, conceituar o namoro, posto que há uma linha tênue entre os institutos. Para os doutrinadores Carlos Alberto A. Maluf e Adriana A. Maluf (2013), no namoro o objetivo de constituir família é futuro, não há ainda essa comunhão de vida. Ainda que exista uma convivência amorosa pública, contínua e duradoura, o casal ainda preserva a sua vida pessoal, sua liberdade.


Os interesses particulares de cada um não se misturam com a vida presente, e a assistência dada um ao outro tanto na esfera moral quanto na esfera material não são de forma irrestrita.

Certo é que a diferenciação do instituto da união estável e do namoro possuem grande relevância, visto que o primeiro instituto é protegido pelo estado por se tratar de uma entidade familiar e o namoro não, uma vez que o estado não está preocupado em proteger o amor . Além disso, como entidade familiar, várias são as consequências jurídicas derivadas, tanto na esfera patrimonial presente quanto na esfera sucessória.


De acordo com o art. 1.725 do CC, na união estável, salvo pacto escrito entre as partes, aplica-se às relações patrimoniais o regime da comunhão parcial de bens, ou seja, os bens adquiridos de forma onerosa na constância da relação são de ambos os companheiros, não sendo necessário sequer o esforço comum, que se tem como presumido pela lei, de acordo com o entendimento presente no Enunciado 115 da Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal.


Por outro lado, em se tratando da questão sucessória, o direito do companheiro também foi dilatado, se igualando ao casamento, através do STF, nos julgamentos dos RE 878.694 e RE 646.721, em que foi afastada a aplicação do art. 1.790 do CC, para que se aplique à união estável o art. 1.829 do CC. (STF, RE 878.694, rel. Min. ROBERTO BARROSO, jul. em 10.05.2017; STF, RE 646.721, rel. Min. MARCO AURELIO, jul. em 10.05.2017).


Em síntese, percebe-se que o relacionamento amoroso firmado entre duas pessoas de forma afetiva, estável e duradora só apresenta importância no mundo jurídico após surgir dessa relação a intenção presente de constituir família, pois está é a basilar diferença entre um namoro e uma união estável. Entretanto, como dito alhures, reconhecer a intenção de constituição familiar se apresenta como uma árdua missão. Zeno Veloso em recente obra, trouxe as inquietações dessa distinção, apresentando:


Nem sempre é fácil distinguir essa situação – a união estável – de outra, o namoro, que também se apresenta informalmente no meio social. Numa feição moderna, aberta, liberal, especialmente se entre pessoas adultas, maduras, que já vêm de relacionamentos anteriores (alguns bem-sucedidos, outros nem tanto), eventualmente com filhos dessas uniões pretéritas, o namoro implica, igualmente, convivência íntima – inclusive, sexual –, os namorados coabitam, frequentam as respectivas casas, comparecem a eventos sociais, viajam juntos, demonstram para os de seu meio social ou profissional que entre os dois há uma afetividade, um relacionamento amoroso. E quanto a esses aspectos, ou elementos externos, objetivos, a situação pode se assemelhar – e muito – a uma união estável. Parece, mas não é!


Pois falta um elemento imprescindível da entidade familiar, o elemento interior, anímico, subjetivo: ainda que o relacionamento seja prolongado, consolidado, e por isso tem sido chamado de ´namoro qualificado´, os namorados, por mais profundo que seja o envolvimento deles, não desejam e não querem – ou ainda não querem – constituir uma família, estabelecer uma entidade familiar, conviver numa comunhão de vida, no nível do que os antigos chamavam de affectio maritalis. Ao contrário da união estável, tratando-se de namoro – mesmo do tal namoro qualificado –, não há direitos e deveres jurídicos, mormente de ordem patrimonial entre os namorados. Não há, então, que falar-se de regime de bens, alimentos, pensão, partilhas, direitos sucessórios, por exemplo. (VELOSO, 2018, p.313)


Certamente a distinção entre união estável e namoro se torna tema central em muitos estudos, uma vez que a grande dúvida que se fará frequente nas futuras ações de reconhecimento de união estável pós pandemia é justamente se o casal vivia um namoro ou uma união estável, se a necessidade ou escolha de coabitação que surgiu pelo isolamento imposto em decorrência da covid-19 foi uma situação excepcional vivida pelo casal, ou se a pandemia teve o papel de influenciar aquele casal a entender e querer ali fazer morada, ali constituir família, transformando o que então era namoro em um nascimento de entidade familiar, de união estável.





Comments


Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page